segunda-feira, 28 de março de 2011

A CAMPANHA DA BOMBRIL E O HOMEM INCOMPETENTE

Por Lola Aronovich

Montes de leitoras pediram minha opinião sobre a nova campanha da Bombril, que você pode ver aqui. São quatro comerciais de uma tal de AME – Associação das Mulheres Evoluídas, com as atrizes e comediantes Marisa Orth, Monica Iozzi, e Dani Calabresa. Pela primeira vez em 33 anos, a campanha não traz o eterno garoto-propaganda da marca, Carlos Moreno. Custou 40 milhões, uma nota preta, e não envolve apenas os comerciais, mas todo um site “interativo” (pelo jeito a ideia de interatividade do pessoal é a patroa por a foto do marido num boneco limpando a casa e mandar pras amigas).

Muita gente, principalmente homens, ficou indignada com a campanha, que fala em adestramento e diz que homens não são seres evoluídos. Num dos comerciais, a fala é essa: “Porque homem é bom, mas é tosco. Por isso pra deixar a sua casa brilhando, as mulheres precisam mesmo é de Bombril”. Pela campanha, aprendemos que homem é praticamente um cachorro, até baba e solta pelo (e mulher não. Mulher, como sabemos, não faz nem cocô). Resta a nós, mulheres evoluídas, adestrarmos nossos homens. Se nosso homem ajudar a limpar a casa, devemos fazer carinho nele. Há também um controle remoto com várias teclas úteis pra mulheres (como fazer o homem discutir a relação, lavar a louça e beijar a sogra), e um carpete que dá choque elétrico no homem que esquece de levantar a tampa da privada. Quer dizer...

Pintar o homem como um ser tosco e incompetente não tem nada de original, vamos admitir. É o que a gente vê direto. Faz um ano e meio, eu elogiei um esquete da comediante feminista Sarah Haskins que critica como os comerciais americanos tratam o homem como se fosse um idiota, incapaz de fazer qualquer coisa no lar. Já há trabalhos acadêmicos destrinchando o fenômeno, como este daqui, chamado "The Male Consumer as Loser: Beer and Liquor Ads in Mega Sports Media Events" (O Macho Consumidor como Fracassado: Comerciais de Cerveja e Álcool em Megaeventos Esportivos). Porque a gente odeia como os comerciais de cerveja representam as mulheres, mas a verdade é que eles não são exatamente elogiosos com os homens, certo?

Acho que existem duas tendências em como parte da mídia mostra o homem como um loser, e elas são um pouquinho diferentes. Uma retrata o homem solteiro, bobalhão, meio nerd, que tem um subemprego, não faz muito sucesso com as mulheres, e sente-se muito mais à vontade com seus amigos e seus bromances (romances entre irmãos) que com as gostosonas que não consegue pegar. É o jeito Judd Apatow de ser: um carinha jovem, hétero, branco e irresponsável, amplamente exibido em comerciais de cerveja e em Ligeiramente Grávidos, O Virgem de 40 Anos, Superbad, e Se Beber, Não Case, entre muitos outros exemplos. Esses programões são anti-homem mas também anti-mulheres, lógico. Existe toda uma desconfiança por parte desses losers com as mulheres, que são ou as lindas inatingíveis, ou as que eles já conquistaram e agora não param de reclamar.

Já o homem fracassado mais velho, já casado, é o típico Homer Simpson. Ele não é má pessoa, não tem má índole, mas é um imprestável. Sem a mulher babá que cuida dele, ele mal consegue se levantar da cama. Nós mulheres olhamos pra eles com pena.


Os masculinistas, com razão, reclamam desse tratamento dado ao homem. Deve ser o único ponto em que concordo com eles. A diferença é que os mascus culpam as feministas por essa representação negativa. Pra eles, existe uma vasta conspiração feminista pra passar uma imagem negativa dos homens e, assim, nós mulheres podermos dominar o mundo, ha ha. Opa, me inclua fora dessa. As feministas não têm nada a ver com a história. Eu gosto de homem inteligente e capaz. Se eu adorasse cuidar de bebês, eu teria filhos. Eu quero um homem que veja o serviço doméstico como sua responsabilidade também. Se eu tiver um homem que vai quebrar a cozinha toda vez que tentar limpá-la, vou preferir que ele fique quietinho vendo TV. Em outras palavras, esse modelo reforça a divisão de trabalho dentro da casa: mulheres, limpar a casa e cuidar dos filhos é com vocês mesmo, já que seus homens são uns inúteis (a gente fica pensando como eles conseguem manter um emprego). 
Pô, a gente quer um parceiro que divida as tarefas domésticas, mas não que provoque uma hecatombe nuclear ao pegar numa vassoura. O homem perdedor acaba sendo poupado. Ele dá menos trabalho deitado no sofá tomando cerveja enquanto a gente limpa o lar do que derrubando tudo que encontra pela frente. E é justamente essa imagem que a campanha da Bombril acaba privilegiando. No fundo, a campanha defende que deixemos nossos homens incapazes de lado, e que nos viremos com Bombril, que esse sim tem mil e uma utilidades, ao contrário daquele traste babão largado na poltrona.

Não há absolutamente nada de feminista nesses comerciais ou filmes. Primeiro que não estamos em competição. Queremos homens que colaborem, que cooperem para um mundo melhor, não perdedores incompetentes que não sabem lavar uma panela ou trocar uma fralda. Segundo que quem cria e passa essa imagem depreciativa dos homens não são mulheres feministas (a menos que Judd Apatow e os criadores dos Simpsons sejam mulheres com pseudônimos masculinos e eu que não tô sabendo). A campanha da Bombril é assinada pela DPZ. Veja a ficha técnica e me diga quem são as famosas feministas envolvidas. Opa, só tem homem na criação? São seis pessoas que criaram ― e nenhuma mulher na equipe? E essa campanha quer falar diretamente com a consumidora, no melhor estilo "de mulher pra mulher"? Interessante...

Dizer que homens não servem pro trabalho doméstico é manter o status quo. É defender o modelo “boys will be boys” (meninos serão sempre meninos). Não interessa às mulheres. E não deveria interessar aos homens.

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Autor Lilian Schineider | Contato lischineider@hotmail.com - almeida.lilian@hotmail.com | @LiSchineider